quinta-feira, 8 de março de 2012

A mulher infantilizada e o preço de se ter um filho


Postagem maravilhosa do blog Mãe de 2.

Ela sempre soube que queria ser independente. Estudou bastante. Fez faculdade, pós, mestrado e já se preparava pro doutorado. Se casou com um homem maduro que sabe o que quer e tem nível. Juntos, deram entrada num bom apartamento num bairro nobre. Está sempre bem vestida, com a unha feita, sapato da moda. Começou a tomar pílula cedo pra evitar gravidez e suspender a menstruação se livrando do incômodo mensal de enxaqueca, cólicas horrorosas e muito mal humor.  Trabalhou muito até conquistar cargo e salário que possibilitou suas viagens, os shows e as baladas que agitavam seu final de semana. De repente as amigas começam a engravidar, o papo na roda agora é sobre filhos. Ela começa a fazer contas. Ter filho é muito caro! Ter que pagar plano de saúde decente, leite, brinquedos, colégios bons, roupas de qualidade,  cursos extras, faculdade?

Ela engravida. Começa a fazer uma lista de nomes e a sonhar com o bebê.  Vai ter os olhos do pai? O cabelo da mãe? Vai ser tranquilo como o avô? Bem humorado como a cunhada? Torce pra que puxe o nariz da família. Tudo agora gira em torno dos ultrassons, da decoração do quartinho e do enxoval. Ela visita as maternidades do plano de saúde (pago com muito suor pra ter os melhores médicos, hospitais e laboratórios). Analisa com seriedade a suíte e o berçário. Fica maravilhada com a segurança pra que não haja nenhuma troca de bebês ou até o roubo de um deles.  A família não a deixa fazer esforços. Ela faz o chá de bebê, entra várias vezes no quartinho decorado imaginando o anjinho que vai dormir naquele berço com aquele protetor lindo bordado a mão. Lê frequentemente sobre o desenvolvimento do feto. Sente um desconforto do lado direito e corre pro pronto-socorro e fica aliviada por saber que são gases (e por ter um plano de saúde tão bom). Todos a mimam e contam histórias horrorosas de parto orientando sobre os perigos e a salvação da cesárea. Ela arruma todas as roupinhas escolhidas a dedo numa loja não muito barata no armário laqueado que está pagando em três vezes. Tem certeza de que o melhor lugar pro bebê dormir é em seu bercinho porque ele precisa ter seu espaço e o casal precisa de privacidade. Pede uma guia de ultrassom pro obstetra do convênio só pra ver a carinha do bebê mais uma vez!  Define o nome agora que sabe o sexo e comemora o video lindo do ultrassom 4D. Começa a se preocupar com o que vai usar na maternidade. Sua mãe determina que será cesárea porque ela puxou o quadril estreito da família. Faz um ensaio fotográfico lindo no oitavo mês. Não foi barato, mas valeu á pena! Continua trabalhando apesar do sono descomunal porque sabe que gravidez não é doença e ficar em casa sem fazer nada não é a sua cara e nem paga as contas do cartão de crédito. Faz um curso de gestante na maternidade que escolheu e que é uma das melhores. Começa a passar bucha no seio pra poder amamentar. Quer parto normal porque sabe que é o melhor, mas se for necessário vai fazer uma cesárea sem se culpar, o importante é a saúde do bebê e o médico vai saber o que fazer. Quer amamentar, mas guardou 2 mamadeiras no armário caso precise, pois conhece mulheres que não tiveram leite suficiente. Compra um carrinho caríssimo, mas seu bebê merece o melhor. A barriga começa a pesar, ela já não aguenta mais o desconforto, queria que o bebê nascesse logo. O médico diz que o bebê já está pronto agora que a gestação atingiu 38 semanas e pergunta se ela prefere marcar a cesárea. Ela olha no calendário, se sente tentada, mas sabe que deve pelo menos entrar em trabalho de parto. Resolve esperar. Passa mais uma semana em câmera lenta e a família começa a ficar preocupada. A barriga está enorme, todos se assustam e perguntam a toda hora quando vai nascer. Ela começa a ficar insegura,  as amigas contam que a dor do parto normal é insuportável, ela decide que se ficar muito insuportável pedirá analgesia, afinal pra que sofrer?
Ela sente as primeiras contrações e correm pra maternidade. Lá fica presa a uma maca com a máquina do cardiotoco ligada. O bebê está dormindo e a enfermeira aperta uma buzina pra ele acordar. As contrações páram, ela não entende por quê, mas se sente segura por estar na maternidade. Já se passaram 3 horas e as contrações ainda estão irregulares. O médico avisa que se demorar muito vão ter que fazer uma cesárea de emergência e pede mais um ultrassom: o cordão está enrolado no pescoço, todos se desesperam. Além disso, o bebê engoliu água e tem muito mecônio (cocô), diz o médico.  A dor começa a apertar, ela pensa: realmente é insuportável! Ela pede analgesia, o médico acha melhor fazer a cesárea logo. Nada se saiu como ela imaginou, mas pelo menos ela estava sendo amparada pela equipe de confiança do médico de confiança dela e logo mais ouviria o chorinho do bebê.


Numa quinta-feira a cesárea é realizada. Ela confia muito no médico e repete a si mesma que ele não teria marcado uma cesárea sem necessidade. Ela ouve o choro do bebê, a enfermeira mostra o lindo menino chorando, mas ela não pôde abraçá-lo por estar amarrada na maca. O bebê vai pra UTI-neonatal passar algumas horinhas por “precaução”. ]
Ela então aproveita a mordomia da maternidade porque todos avisaram que quando chegar em casa acabou a moleza. O pós-operatório dói. O médico passa visita na sexta de manhã e já deixa a alta de domingo pronta. Ela toma analgésicos. As pessoas entram no quarto sem bater, ela resolve se levantar pra dar um jeito no cabelo e fazer uma maquiagem leve. Põe sua camisola nova que combina com os chinelinhos. A enfermeira traz o bebê limpinho com a roupinha nova e ensina a amamentar. O leite demora pra descer. Amamentar dói. Ela fica sem paciência. Em casa, o bebê chora. Todos fazem coro: é fome. O bebê não acerta a pega, o peito fica ferido. O bebê acorda várias vezes a noite, chora todos os dias, principalmente no final da tarde. Ela chora. Não tem tempo nem de tomar um banho, se sente injustiçada, enganada. Se olha no espelho e não vê mais a mulher linda e ativa de antes. O bebê chora, todos fazem coro: é cólica. Ela não imaginava que era assim. Leva ao pediatra, o bebê ganhou 100g a menos do que o esperado. A mamadeira entra em cena. Ela se sente um fracasso.
As pessoas se prontificam a ajudar, ficam com o bebê enquanto ela descansa, toma banho, faz comida e come, faz as unhas, liga pra uma amiga, lava roupa.  O corte da cesárea ainda dói. Ela se sente impotente, o bebê começa a recusar o peito e desmama. Ela se sente rejeitada. Todos fazem coro: você fez a sua parte. Ela não aguenta o choro, o berço parece ter espinhos. Mas ela não quer pegar muito no colo porque sua sogra disse que fica mal acostumado e causa dependência. Ela odeia essa palavra. Uma tristeza toma conta. Todos fazem coro: é depressão pós-parto. Ela toma anti-depressivos. O marido quer retomar a vida sexual, mas ela não entende por que não sente a menor vontade. Ela cede às investidas do marido com medo do casamento afundar. Tenta colocar em prática o treinamento pro bebê dormir de um livro famoso que ganhou de uma amiga. O bebê chora sozinho no berço e ela chora no corredor  e diz a si mesma: tenha força, o especialista do livro diz que na terceira noite isso deve melhorar. As noites são infernais. Ela resolve dar calmante natural pro bebê. A licença-maternidade chega perto do fim. De certo modo sente um alívio. Ela contrata uma babá pra ajudar. Começa uma dieta, reserva o dinheiro pra uma plástica. Mesmo sentindo necessidade de sair e retomar a vida de antes, quando não tinha filho, sente uma enorme angústia por ter que deixar o bebê em casa e sair pra trabalhar. Ela chora. Se arruma e sai. Todos fazem coro: é assim mesmo, mas a vida continua. Ela chora no carro, sente culpa,  liga pra casa, a babá diz que está tudo bem. Ela engole o choro, ergue a cabeça e vai trabalhar.

Depois da dieta, finalmente faz a abdominoplastia pra se livrar da barriga flácida que a gravidez deixou. Compra roupas novas, vai ao salão, se sente viva novamente.  Contrata a quarta babá (um pouco mais cara) e reza pra essa dar certo. Depois de um dia cheio no escritório, passa no supermercado pra comprar papinhas prontas de vários sabores e dá graças a Deus por elas existirem. Resolve retomar o doutorado, viaja muito a trabalho, comemora com os amigos num barzinho o aumento. O bebê sente saudades da babá no dia de folga. Ela sente ciumes. Descobre que nasceu mais um dentinho e ninguém avisou. Compra um DVD pro carro pro bebê parar de chorar na cadeirinha. O bebê já engatinha, passa uma noite por semana com a avó pra ela pegar um cineminha com o marido e estreiar a langerie nova. O casal decide que uma escolinha sai mais barato que babá e vai ser bom pro bebê aprender a se socializar. Ela escolhe uma escolinha cara com toda infraestrutura que seu bebê merece. O bebê dá os primeiros passos na escolinha e ela não vê.  A família pergunta quando vão encomendar o próximo, ela responde decidida: a fábrica fechou, eu não tenho condições financeiras de ter outro bebê.  A família lamenta, mas concorda: é...hoje em dia é muito caro ter um filho e dar a ele tudo do bom e do melhor.