segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Profissão: Mãe

Como sempre a Mariana, do blog Mãe de Dois, me surpreendeu com mais um texto maravilhoso, que me fez pensar muito e refletir sobre meus anseios e as verdadeiras prioridades na vida. Quero com partilha-lo com vcs!
Boa leitura!


Profissão: Mãe.

Na semana passada uma questão foi bastante recorrente. Com quase todas as mães que falei (amigas, confidentes e também alguns desafetos) a conversa era basicamente sobre ficar em casa pra cuidar dos filhos pequenos ou não. Isso ficou ecoando na minha cabeça regada a oscilações de humor devido a TPM e essa crise menstrual toda me ajudou a chegar a algumas conclusões que fecharam meu ano de 2011 com chave de ouro.

Eu não acredito que seja uma decisão fácil pra maioria. Afinal de contas, nossa geração cresceu pensando primeiro nas realizações individuais e profissionais e depois se queria ou não ter filhos. Mas uma questão bem mais profunda se perdeu no meio do caminho rumo à liberdade feminina: queremos ser mães ou somente ter filhos? Sim, porque existe uma diferença nisso e na prática ela é enorme. Quer dizer: as pessoas hoje TÊM filhos, carros, casas, cachorros e SÃO médicas, jornalistas, engenheiras, advogadas. Já parou pra pensar? Eu fiz o contrário: tenho diploma de enfermeira, mas sou mãe.

Nós podemos ter filhos por vários motivos. Dentre as justificativas, ouço que faz parte dos acontecimentos naturais da vida, como se houvesse uma cartilha: estudo, trabalho, casamento, filhos...a vontade de ter um filho também pode vir do desejo de outra pessoa: dos pais que querem ser avós, do marido, “dazamiga” que estão todas virando mães. Mas a maioria fala pra mim que tem medo da solidão. Principalmente na velhice, de não ter alguém que cuide. Motivos plausíveis pra se ter um filho? Pra mim, não. Mas são motivos. Enquanto as mulheres não assumirem seus motivos e suas frustrações com a maternidade, continuaremos jogando tudo pra debaixo do tapete. Agora, quando a mulher quer ser mãe, o motivo sempre é um só: querer cuidar. E como a jornalista Maristela Tesseroli sabiamente diz, pra ser mãe você tem que querer cuidar ou então não se tornará mãe nunca.


Com a mulher no mercado de trabalho, fomos levadas a acreditar que é perfeitamente possível ter um filho e continuar tendo a mesma vida que se levava antes dele. Basta contratar uma babá ou por numa creche/escolinha. Quando moramos em cidades muito urbanas, parece que essa idéia é mais recorrente. Talvez porque não temos um contato tão diário e íntimo com bebês. Mas aí depois que nosso filho nasce e nos deparamos com a realidade de se ter um bebê nosso nos braços, muita coisa muda. Principalmente para uma mulher que teve acesso a informações sobre o desenvolvimento do bebê. Essas informações confirmam cientificamente o que o instinto maternal nos faz sentir: uma vontade louca de ficar com o bebê pertinho da gente, no colo. Mas aí vem a sociedade falando que isso não é legal. Que estamos infantilizando aquele que é infantil por natureza (oi?). E vem um sentimento imenso de solidão. Como se somente nós estivéssemos sentindo vontade de fazer outras coisas ao mesmo tempo em que não queríamos deixar o bebê aos cuidados de terceiros. Também pudera: onde está nossa mãe, avó, irmã, nossas amigas? Trabalhando, morando longe... então a mulher do século XXI se vê em casa, sozinha com aquele bebê. Nenhuma mãe deveria ficar sozinha. Antigamente poucas trabalhavam e as mães se faziam companhia, se ajudavam. Hoje, essa mulher não está mais acostumada com a rotina doméstica, com a dependencia financeira (nem que seja momentânea) e ainda por cima se encontra completamente sozinha e sobrecarregada. Daí começa o mito da “do lar”.

Pra mim, decidir ficar em casa pra cuidar dos meus filhos foi muito fácil. Desde os 15 anos eu já sabia que queria ser mãe, ou seja, queria cuidar pessoalmente dos meus filhos (e em tempo integral nos primeiros 3 anos pelo menos). Antes disso, trabalhei fora, ganhei meu dinheiro, montei minha casa. Mas já tinha certo na minha cabeça que quando eles nascessem, o marido ia prover tudo e eu ia mergulhar na maternidade de cabeça e bem fundo. Nunca quis fazer carreira. Me formei enfermeira porque o meu barato é cuidar e já que a minha família e a sociedade inteira exigiram que eu escolhesse uma profissão e fizesse uma faculdade, violà: enfermagem. Amava cuidar de idosos e crianças. Mas sonhava em poder cuidar dos meus próprios filhos. Então, com a casa equipada e o relógio biológico gritando há 10 anos, pedi meu bebê pro marido.

Marido, aliás, escolhido a dedo. Sempre fui muito prática, realista e objetiva. Se o cara não quisesse casar e ter filhos já era carta fora do baralho. Mas precisava mais: precisava querer muito ser pai, embarcar nessa comigo e querer uma esposa que preferisse ficar em casa cuidando dos filhos. Por isso, quando eu disse ao Helder que a hora de ter nosso primeiro bebê havia chegado, ele sabia exatamente do que eu estava falando. A nossa cumplicidade como casal e pais dos nossos filhos começou nesse dia, no dia em que ele passou a mão na minha barriga ainda intacta pela maternidade e deu o sinal verde pra eu engravidar.


Mas nem todo mundo tem essa convicção em ser mãe (no sentido do cuidado não ser terceirizado), ficar a disposição de um bebê, cuidar dele 24h por dia. Na verdade há quem ache isso...feio. Já ouvi muita coisa: que mulher que vira “do lar” se encosta no marido e se humilha pedindo dinheiro pra comprar calcinha, que fica em casa sem fazer nada cuidando da vida dos outros e engordando, que se anula em prol dos filhos e depois os filhos vão embora e a vida dela perde o sentido, que fica alienada aos acontecimentos no mundo, que inveja a vida das mães “modernas” que são antenadas, ganham seu dinheiro, tem status...homens e mulheres propagando uma série de idéias equivocadas sobre a mulher que decide ser mãe e não somente ter filhos. Idéias machistas, diga-se de passagem. Um desserviço à mulher e às crianças. Uma rotulação baseada num contexto ultrapassado de mulheres que não tinham escolhas, que muitas vezes empurravam com a barriga um casamento falido com um homem machista que não as respeitava por não poderem se sustentar sozinhas. 
Quem se refere a mães 24h em tom de deboche como as “do lar” não deve nem imaginar que é bem possível o acordo entre o casal de que ela tem total liberdade pra decidir onde, quando e como o dinheiro será gasto. Que é possível ser adimirada pelo companheiro simplesmente por ter parido, amamentado, cozinhado pros filhos. Que depender financeiramente de um homem que nos respeita não tem nada de humilhante se dentro do casamento se reconhece que cada um tem seu papel e que ambos são fundamentais pra que tudo aconteça como deve acontecer. Aliás, conheço mulheres que trabalham fora e são super dependentes emocionalmente. Outra questão é que temos liberdade pra fazermos o que bem entendemos. Se eu quiser sair com meus filhos e largar a louça suja na pia, eu posso. Se ao invés de faxinar a casa toda pro marido encontrar tudo um brinco, eu resolver ler um livro (ou um artigo científico), eu posso. Também estou sempre antenada com o que acontece no mundo justamente porque por causa dessa coisinha fofa chamada internet. Portanto, vamos esquecer a “do lar” dos anos 50 e enxergar a “do lar” do século XXI, que pode estar em casa. Mas não quer dizer que virou uma ameba anencéfala e frustrada.


Mas eu vou além, eu não acho que seja preto no branco: ou fica de férias por tempo indeterminado ou sai pra trabalhar fora por 8h diárias. Não. Já falei algumas vezes que dá pra conciliar a maternidade com alguma outra atividade. As mães empreendedoras estão aí pra provar isso. Está crescendo o número de mulheres que criam produtos maravilhosos (a maioria voltada pra puericultura devido a fase em que estão vivendo) e que trabalham em sua própria casa ao mesmo tempo em que cuidam dos filhos. Atendem clientes, fornecedores, criam o produto, embalam, entregam. E arrumam a casa, e levam pra escola e fazem a comida, trocam, dão banho, etc... muitas têm sim uma ajudante, seja nos negócios, seja pra fazer a parte pesada da vida doméstica. Mas os filhos sempre são prioridade. E é assim que deve ser. Fácil não deve ser...meeesmo! E além de conseguir dar conta de tudo isso, muitas reclamam que seu trabalho não é levado a sério simplesmente porque trabalham em casa. Já imaginaram a disciplina e dedicação que essas mulheres tem que ter? 

Também conheço mães que trabalham fora e que têm a felicidade de poder levar seus filhos para o local de trabalho todo dia, com o auxílio de uma babá que está lá mais pra ajudar do que pra cuidar propriamente. É o caso da dona da “Gateau”, uma loja de moda infantil de Pinheiros que é Amiga da Amamentação e oferece inclusive encontros semanais que reunem mães e bebês. A atriz Cássia kiss (que amamentou o caçula até os 4 anos) também levava o filho para o estudio de novela com uma babá pra olhar o menino enquanto ela gravava e explicou que muitas vezes o ator passa horas no camarim esperando a sua vez de gravar. Por isso tinha tempo de sobra pra cuidar do menino que cresceu nos corredores da emissora e nos bastidores de peças de teatro. Tudo vai depender das condições financeiras, das necessidades pessoais e profissionais dessas mulheres e principalmente, das necessidades de cada filho. Tem filho que fica bem sentadinho brincando, tem filho que fica grudado no peito o dia todo. Há de se ser sincera consigo mesma sobre todas essas questões antes de decidir se realmente dá pra conciliar trabalho com filho ou se está camuflando uma fuga da maternidade.


Mas nessa vida tem de tudo: as mulheres que sempre quiseram ser mães, as que não planejaram e a gravidez foi uma surpresa, as que queriam ter filhos por vários motivos mas não se deram conta de que não queriam ser mães, etc... não quero julgar. Como diz Caetano, cada um sabe a dor e a delícia de ser quem é. Mas mesmo sendo dolorido, nós precisamos tocar nesse assunto. Mesmo sendo delicado, precisamos assumir nossos sentimentos. O que mais vejo é mãe fazendo o jogo do contente e jogando a culpa pra debaixo do tapete. Isso acontece porque a nossa sociedade não permite que sentimentos negativos em relação a filhos sejam mencionados. 


Mas a verdade é que até mulheres como eu que sempre sonharam em cuidar de cada detalhe, ficam cansadas, ansiosas, com raiva, estressadas e precisam desabafar. Imagine quem não quer ser essa mãe que se dedica 24h por dia, 7 dias por semana. Com certeza, além de tudo isso, surge a frustração. Sim, porque achavam que ter filho era uma coisa e depois percebem que é outra bem diferente dos comerciais, novelas e filmes hollywoodianos. Quantas mulheres passaram a gravidez decorando o quartinho e sonhando com seu bebê Johnson dormindo quietinho no berço por horas a fio? E aí, ao invés dessa mulher poder se abrir, desabafar e ser ajudada por outras mulheres, pelo marido, ser acolhida pela sociedade, a tendencia é sair correndo pra trabalhar, estudar, malhar, dançar, viajar... dessa forma, a mulher deixa o filho com outra pessoa e consegue se afastar o suficiente pra que quando volte só tenha bons sentimentos em relação a essa criança.


Pra mim esse é o grande equívoco da modernidade: acreditar que a mulher que se afasta do filho, terceirizando os cuidados da criança e se ocupando de outras atividades, é mais feliz e se relaciona melhor com o filho do que a mãe que abre mão (pelo menos nos primeiros anos) de outras atividades e luxos pra ser mãe. Porque o problema não está em ser mãe 24h, o problema está na expectativa que cada mulher põe na idéia de se ter filhos.

Uma vez que essa mulher tem o desejo de ser mãe, deveria ser apoiada e ajudada. Mas infelizmente somos o tempo todo desencorajadas a assumir por completo os cuidados com os filhos. Os comentários que ouvimos vão desde pequenas indiretas suaves jogadas ao vento até os comentários mais violentos e agressivos que se possa imaginar.  Nessa última semana, aconteceu de tudo. Amigas confidenciando que nunca quiseram ser mães e hoje se sentem culpadas por não conseguirem se dedicar aos filhos, outras confidenciado que adorariam ser mães e acompanhar de perto o desenvolvimento do filho mas tem medo de contar pros outros, mães que ficam com o coração partido em ver o filho chorando ao ir pra escolinha e não ter o apoio do marido pra ficar em casa com o filho...mas também teve gente vomitando grosseirias em cima de mim devido a mágoas acumuladas por meses (se não anos). Engraçado que a discussão começou por um problema pontual e quando vi a criatura estava tentando me ofender com várias outras acusações, todas relacionadas ao meu jeito de maternar e viver.

Cada vez que uma coisa dessas acontece, fico despedaçada. Me entristece ver como nós mulheres continuamos divididas entre a dependência real e visceral que um filho tem da gente e o que nós mesmas esperamos de nós e da nossa vida. Estamos o tempo todo tentando conciliar esses dois mundos, tentando se dedicar aos dois de forma igual, aqui, agora tudo ao mesmo tempo. Na verdade, isso acontece porque não são só os nossos filhos os carentes da história. Nós também somos. Seriamos nós carentes de afeto e reconhecimento que faltou na nossa infância? Afinal de contas, fica difícil dar aquilo que não se teve o suficiente. Daí que fica claro que ter um filho não basta. Nem pra gente e nem pra ele. É preciso cuidar desse ser com todo amor, dedicação e respeito que ele merece. Mas é preciso resgatar a mulher (e a criança) que se deixou de lado no começo pra mergulhar nesse mar de amor maternal infinito e incondicional.

Há de se resgatar aos poucos, sem pressa, conforme o bebê vira criança e a criança vai crescendo rumo à independência naturalmente. O problema é o alter ego gritando que deve-se ser uma mulher moderna, linda e independente hoje e agora. Parece que só sendo assim pra nos sentirmos alguém. Provavelmente porque saber que somos boas mães não é suficiente pra suprir nossa carência de afeto. Há que se seja reconhecida, aplaudida, adimirada e apoiada. Tudo que talvez tenha faltado na infância. Uma luta interna diária e solitária. E enquanto tantas mulheres se sentem culpadas por terem delegado o cuidado, outras tantas se sentem culpadas por se sentirem negligentes consigo mesmas. Porque o mundo não perdoa, minha amiga. Cuidar de outro ser e pausar a carreira profissional pelo menos nos três primeiros anos de vida da criança (período de maior dependência física e emocional) é visto como desculpa pra “embarangar” e encostar no marido. O mais triste disso tudo é que automaticamente se formam dois grandes grupos que entra ano, sai ano, se atacam. Portanto, a guerra começa dentro de cada uma de nós e continua no mundo externo em busca de auto-afirmação.

Não nos apoiamos e muitas vezes nem permitimos o apoio quando é oferecido. Faz parte do show fazer de conta que estamos o tempo todo alegres com nossas escolhas. Não me entendam mal. Sou muito feliz sendo mãe 24h. Mas ser feliz não é estar sorrindo o tempo todo...eu fico cansada, sobrecarregada, solitária, carente, ansiosa, angustiada e com raiva na mesma medida em que também fico alegre, realizada, tranquila, orgulhosa e em paz. O problema é que o médico, o advogado, o executivo, o empresário podem reclamar do trânsito, do chefe chato, dos inúmeros livros que devem ler, do fato de terem que trabalhar de final de semana e feriados...mas as “do lar” não podem reclamar de nada. Nunca. Muito menos do filho que ta chatinho, manhoso, dando piti. Afinal de contas, quem mandou escolher ficar em casa cuidando de filho, não é mesmo? Daí se perpetua o mito da “do lar” loser.  Como estar em casa com os filhos fosse sinal de incompetência e não de uma escolha baseada em motivos muito mais profundos e complexos.

Ser mãe é uma escolha, sobretudo de vida. Uma mulher que escolhe assumir os cuidados do filho, escolhe o desprendimento do que menos importa e a dedicação a um outro ser. Talvez, olhando mais profundamente, essa mulher só conseguiria ser realmente feliz dessa forma. Porque é quase que um chamado. É não se enxergar de outra forma. Não por falta de oportunidades, mas por ser essa a nossa verdade. É não conseguir ser diferente. Pra mim, ter um filho implica querer ser mãe. De outra forma, não valeria a pena porque eu sempre estaria buscando um algo mais.

Sendo amiga de mães de crianças epeciais, veio de novo essa lição: uma mulher que tem uma profissão almejada por muitos, com status e tudo que hoje a sociedade enaltece, larga tudo pra cuidar do seu filho com necessidades especiais. Claro que ela poderia ter uma babá, enfermeira, claro que ela poderia continuar trabalhando. Mas sem dúvida, a vontade de querer cuidar pessoalmente daquela criança que é tão preciosa pra ela foi maior. Mulheres que não sabiam que teriam um filho com alguma síndrome genética, autismo ou problemas de visão, audição, fala, etc. Mulheres que nunca escutaram “mamãe” e mesmo assim têm um elo fortíssimo com seus filhos. Mulheres que se quisessem somente ter um filho e não serem mães, talvez não dariam conta do recado, que perante a sociedade teriam ainda mais motivos pra se enfiar no trabalho, porque se ficar em casa cuidando de filho fosse sinônimo de fracasso e negligência pessoal, do que poderíamos chamar essas mães que se veem com uma criança especial que necessita de total disposição? Deveríamos ter pena delas? Pois eu tenho é orgulho e me considero sortuda por poder aprender com mulheres como essas. Por isso sempre pensei sério nessa possibilidade. Sempre me preparei pra, inclusive, ter um filho especial. Porque na verdade todos são, acredito. E, portanto, todos merecem tratamento VIP. Caso contrário, acredito piamente que teria sido melhor me realizar na qualidade de tia, professora, madrinha que leva presente, brinca, pega no colo e depois vai embora, não só por mim, mas pelo bem da criança.  Mas não. Eu queria tudo. Sou chamada de louca, xiita e outros palavriados impublicáveis, segundo a educação que recebi. Mas hoje me sinto muito mais lúcida sobre os meus sentimentos do que antes de ter filhos.

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